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Conversas, cotidiano, artes, fazedors de artes, cultura, cidadania, são temáticas imbricadas no nosso caminhar e, por isso, passarão por aqui. Aberto a contribuição de todas as pessoas sintonizadas conosco... sejam bem-vindos!

domingo, 21 de março de 2010

depois de um ano e três dias..."o cabrito que mais berra é o que vive mais"

...releio Boal e repenso que pouca coisa, ou quase nada mudou. Burocracia, burocracia, burocracia! O exacerbado formalismo nos tantos âmbitos do "viver". O entrave do "saber", do "compartilhar", do "movimentar". O ser... E nós que viemos de outras terras e outros sóis??? e nós que estamos pisando no Tocantins? na mais nova capital do Brasil que adotou o antiguíssimo "modelo" do sistema? E nós que militamos no município de Palmas, cujos burburinhos soltos no ar, revelam que aqui, a burocracia é entrave não só na seara cultural, mas e principalmente, na área da educação municipal??? Nós podemos colocar a boca no trombone???? Não, não, não...Calma, calma, calma...Respire fundo, confira o extrato bancário, dê uma olhada para quem está do seu lado, sorria para seu chefe de trabalho. Feche os olhos, reze e reflita comigo "com esse discurso você não vai longe...aqui, tudo funciona assim. É normal!"."Não pense que você foi ou é o primeiro. Te prepare, fique calada, porque você ainda não é efetiva. Os concursos estão para sair e os contratos demoram muito para serem assinados. É tudo uma questão de ética. Se você é contratado, mas não formalizou o contrato, aguarde...em silêncio. Apenas em obediência! Feche o bico. Diga sim, sim, sim...Os pagamentos atrasam, mas sorria. Pagam tudo direitinho. O maior salário de professores no Brasil. Ora, três meses, quatro meses passam rápido...e veja, você é corado, sorridente, inteligente, bem-humorado. Além do mais, é privilégio para você trabalhar numa escoal com infraestrutura belíssima, um local onde os mais nobres políticos desejariam que seus filhos estudassem. No entanto, seus filhos só não estudam nas escolas públicas, pela tanta demanda e porque é grande a fila de espera para as matrículas". "Vou te orientar: nós, aqui recém-chegados, para não ficarmos roucos, apenas citamos baixinho as frases do imortal BOAL, porque ele sim, virou estrela, falou e fez em vida. Ele sim, corajoso poetaAtor, mesmo diante dos percalços do seu tempo, da censura, do sistema, utilizou-se do teatro como instrumento para alertar e acordar o povo do esbulho do seu tempo. Dele, verdadeiro discípulo de Bertold Brecht, ensinamentos em forma de palavras, a serem refletidos. Semeados, compartilhados... Um mestre ainda vivo na memória! que em março de 2008 conversou com Guilherme Barcellos, numa matéria publicada pelo sítio do MINC que abaixo transcrevo:

"Boal e Turino em BsB
Como acabar com a burocracia?

Por Guilherme Barcellos

TEATRO DO OPRIMIDO 13 MARÇO 15 HORAS MUSEU NACIONAL DE BRASÍLIA

Depois do evento, pergunto ao Mestre Augusto Boal: Qual o próximo passo para acabarmos com a burocracia do seu pesadelo? Ele responde “A paz tem um grande inimigo. A passividade. Temos que fazer alguma coisa enérgica contra a burocracia. Vocês que estão aqui em Brasília devem…” no final eu conto…

Agora do começo: 15h14 abrem-se as portas, mais ou menos 120 jovens na platéia - alunos de um colégio do ensino médio e da Faculdade Dulcina de Moraes, jornalistas, etc. Agitação efervescente, comum aos adolescentes e artistas cênicos. 15h18 começa o vídeo sobre o , mostrando imagens e entrevistas de alunos e multiplicadores do método criado por Augusto Boal, que está no Nepal, índia, África, EUA e Europa. Aqui no Brasil há 60 multiplicadores em 20 grupos que criaram 19 músicas originais e quase 300 peças artísticas: pinturas, esculturas, poesias, etc. Juliana do Nascimento Soares, aluna da Escola Municipal São Bento explicou como sua turma retratou o estandarte do Brasil: “Na bandeira colocamos outras cores, o preto e o sangue pra violência… frases diferentes como ’salve este pais’…a gente expressou ali o que a gente vê no dia a dia.”

Na explicação de Boal, vemos como sua idéia é fomentar a pedagogia ao invés da educação: “educar quer dizer mostrar o que já se sabe, vem do Latim educare = mostrar o caminho, já a pedagogia é colocar o jovem ou outra pessoa em condições de seguir seu próprio caminho”. No site, aprendemos que “o CTO-Rio implementa projetos que estimulam a participação ativa e protagônica das camadas oprimidas da sociedade, e visam à transformação da realidade a partir do DIÁLOGO e através de meios estéticos.” Boal: “Não é preciso ser poeta pra se fazer poesia, mas fazendo poesia viramos poetas. Somos aquilo que fazemos. A plateia abandona sua prisão que são as poltronas e vem protagonizar pois quem protagoniza segura as rédeas de sua vida.”

Foram criadas 22 cenas de Teatro Fórum onde uma pergunta é trazida ao público e ele responde. A realidade é apresentada em cena de cerca de 10 minutos, o espectador assume um dos papéis mas age de forma diferente conseguindo transformar esta realidade. Temas comuns: violência doméstica; abuso de poder na escola - diretoria sobre professores, e estes sobre alunos; discriminação dentro e fora da escola, influência da familia…

Assistimos 3 cenas: 1 - Opressão `a mulher dentro do acampamento dos Sem-Terra. 2 - “A entalada”. Falta de acessibilidade: gorda presa na roleta do ônibus. 3 - “Invasão”: estupro juvenil, tão forte e tocante que ganhou a votação para ser revivida com novas idéias para a menina de 13 anos se safar. A melhor solução, após 3 tentativas e muita discussão, foi apresentada por uma… adolescente de 13 anos que reviveu a personagem mas com a esperteza de não entrar na casa onde ficaria só com seu agressor. Aplausos muitos!

Célio Turino, o Secretário de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura, teve seu momento neste evento. Afinal o MinC tem convênio em vigência com o CTO-Rio, Teatro do Oprimido de Ponto a Ponto, cujo objetivo é “contribuir para o fortalecimento e a dinamização dos Pontos de Cultura envolvidos na iniciativa, através da capacitação de seus profisionais e/ou calaboradores, para ampliar e diversificar as possibilidades de atuação junto as comunidades circunvizinhas”. Célio não esqueceu seu inseparável chapéu para defender o projeto mais elogiado do ministério, o Programa Cultura Viva como iniciativa que potencializa pontos que já existem, ‘desescondendo’ o Brasil. Oferecendo a possibilidade da cultura trabalhar a união da ética, da estética e da economia. “O Programa ajuda os Pontos de Cultura na busca da solidariedade, colocando todos em rede para não ficarem isolados e sem sentido. Aquilo que fazemos para nós mesmos tem outro sentido para outros, os pontos vão conversando entre si e aprendendo uns com os outros, um contribui com o outro e vamos vendo que neste mar de diferenças há muita similaridade e vamos construindo esta convergência plena como o Teatro do Oprimido.” Agregando novas ações, mestres da cultura oral e tradicional, ligação da escola com a comunidade, ações com a juventude. O foco em 2008 é disseminar a idéia da cultura de paz, e dos pontinhos da cultura, do lúdico da brincadeira, especialmente para as crianças. Transformando este país e este planeta em um lugar que nós tratamos bem e que nos trata bem. Quando estamos bem cuidados cuidamos bem de tudo. Isso que é cultura = cuidar, ter cuidado.

O ponto alto do evento aconteceu exatamente no meio deste: a fala do Boal sobre o que ocorreu há 2500 anos atrás e o pesadelo que teve na noite anterior a esta apresentação. Talvez tenha se inspirado no desabafo do locutor que o precedeu que afirmou ser a burocracia o maior problema da Secretaria que comanda. O mestre nos contou da Grécia onde os camponeses viveram o fato da disciplina ser absolutamente necessária mas tolher a liberdade individual. Para plantar é preciso disciplina, plantio, poda e colheita no momento certo, etc. Assim os camponeses, depois de muito trabalho, se aliviavam cantando contra a religião, o governo e seus meios. O poder não aceitava mas tinha de dar liberdade para esta catarse depois de tanto trabalho. Sólon, grande ditador da época, resolveu dar dinheiro para as poesias e danças, promovendo os Cantos Ditirâmbicos. A primeira violência contra a liberdade. Mesma música e dança, evitando as críticas espontâneas ao sistema.

Como o sambódromo que domesticou o samba carioca, os Cantos terminavam numa grande praça onde os mandantes do governo viam o final da festa. Um dia, Téspis, inspirado coreógrafo e poeta, bebeu um pouco demais, saltou do coro e começou a dizer exatamente aquilo que pensava e sentia, refletindo o pensamento de todos. Sólon, muito elegante, sorriu e não disse nada. Depois, em particular, falou: Você nunca mais faça isso, dei $ para você dizer o que tinha sido ensaiado e você falou contra Deus, contra o Governo! Quem falou não fui eu, defendeu-se o poeta, o que fiz foi hipocrisia (fingindo ser quem não sou), você me viu falar mas eu estava apenas expressando o que todos sentem. Sólon cortou o artista: Quero censurar até sua improvisação da próxima vez. Téspis inventou as roupas os adereços mas não pode mais dizer o que sentia, pois era censurado. O poder sempre tenta censurar o teatro por causa da sua força.

“Nunca falei bem do governo. Pela primeira vez sou a favor do Governo. Defendo o Ministro Gil e o Juca (Ferreira, Secretário Executivo do MinC). Mas mesmo dentro deste bom governo existe a burocracia. Dentro da lei existem seres humanos. Absurda a existência de certas burocracias herdadas da ditadura infame que infectou este país. Meu pesadelo começou com Judy Garland, menininha, dançando pelo jardim e eu passeando naquela coisa lindissima, aquela grama verdissima, maravilhosa. Aí um pitbull entrou no pesadelo, o grunhido do pitbull era como o meu “que criancinha linda”, mas com sentido gastronômico. Peguei uma barra de ferro e fui até lá. Alguém me pega pelo braço, um guarda, que diz “não viu o cartaz? É proibido pisar na grama”. “Eu respeito a lei”, retruquei, “mas me desculpe, pois tenho que salvar a criança”. “Tudo bem, mas primeiro pega autorização na Secretaria de Parques e Jardins. Saí correndo para lá e o funcionário disse que não poderia me ajudar - era hora do almoço! Adiantei meu relógio mas tive de explicar a 3 burocratas, porque cada um respondia que era fulano quem cuidava daquele assunto. Finalmente encontrei o responsável que falou “um fiscal tem de ir comprovar”. Levei o fiscal no colo e vi que o cachorro já tinha comido o braço direito da menina. “O senhor tem razão mas temos que voltar à Secretaria”. Bateu a autorização numa máquina de escrever antiga e foi procurar a pessoa que carimba e assina. Quando voltei ao parque a criança tinha apenas cabeça do lado de fora da boca do cão, estava chorando e pedindo “me salva, me salva”… e foi engolida!”

“Temos que fazer um manifesto contra a burocracia, pois isso é o que acontece em nossa realidade.”

A resposta sobre qual o próximo passo? “Vocês que estão aqui em Brasília devem… descobrir qual a resposta. Vocês estão mais perto!” Tal qual um Mestre Taoísta, Boal nos devolve a pergunta e conclama que sejamos os protagonistas da resposta, mas dá uma dica desconstruindo o ditado popular ‘cabrito bom não berra’. Para Boal: “O cabrito que mais berra é o que vive mais.”



Será?

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